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  • Foto do escritorCatarina Gomes

Reinvenção da Cidade ou Perda de Identidade – como a lógica do mercado afasta comunidades do Centro


O elevado interesse na cidade do Porto veio provocar indubitavelmente a recuperação de património e capital. No entanto alimentou também a especulação e contribuiu para o aumento da segregação socio espacial.



A gentrificação concretiza a luta de classes no espaço urbano contemporâneo. Em Portugal teve início nos anos 80 e foi um processo fragmentado a nível geográfico, dificilmente provocando desalojamento de residentes. O número de imóveis abandonados e em avançado estado de degradação era uma oportunidade para reabilitadores independentes e a população mais desfavorecida via-se então protegida pelo congelamento de rendas.


Nos dias de hoje o conceito está mais maduro; os contornos são mais vincados, com novos intervenientes e promotores, estes últimos muito mais agressivos. Valoriza-se a atração de capital privado e assiste-se ao surgimento de novas classes médias em bairros tradicionais dos centros históricos. O investimento requalificou os bairros, produzindo uma regeneração urbana ao nível económico e cultural, que por sua vez provocou o aumento das rendas, que se tornaram insuportáveis para as classes populares.


Por cá o fenómeno pode ser associado ao contexto de crise e austeridade do período de 2011 a 2015, altura em que foram criados mecanismos no setor da habitação como a Autorização de Residência para Atividade de Investimento (Vistos Gold), Regime Legal do Arrendamento Local e Regime Excecional de Reabilitação Urbana. As medidas implementadas visaram fazer face ao decréscimo de população nos centros históricos no início da década; os números de pobreza e exclusão condiziam com a paisagem de edifícios devolutos. Em contraste a afluência turística dilatou, incentivada pela onda de louvor internacional, até hoje constante. A cidade tornou-se uma marca e privilegiou-se o turismo como sector impulsionador de uma economia fragilizada.


Legenda: “Best European Destination”, Praça dos Poveiros. Foto de Inês Barbosa

A mudança na paisagem urbana da cidade do Porto no curto período de uma década é aparente. Deu-se a revitalização do centro, houve um aumento generalizado do sentimento de segurança e o comércio local foi impulsionado. Os bairros tradicionais estavam preservados e as gentes que lá habitavam eram parte indissociável do encanto da cidade, coroando a misticidade dos edifícios medievais que as cercavam. Mas o interesse não abrandou e depressa se sentiram efeitos perniciosos junto da população mais empobrecida. Subia o valor da habitação, surgiam as ordens de despejo e os pequenos comerciantes viram os seus estabelecimentos encerrados. É impossível agora habitar no centro ou na sua periferia por menos de 550€, consistindo o ordenado mínimo em 665€. Para além da população envelhecida também a Geração Milénio se vê afetada pela nova realidade, vendo-se impossibilitada de imiscuir-se no mercado habitacional devido aos vínculos laborais exploratórios, também eles parte do novo panorama social.


A contestação foi ganhando corpo. A transferência da Feira da Vandoma das Fontainhas para a freguesia de Campanhã provocou indignação por parte de vendedores e população. Duas gruas caíram em zonas centrais do Porto, atribuindo-se a causa à urgência e ao desleixo das obras. Um incendio criminoso devastou um edifício perto do Bolhão, para eliminar obstáculos à especulação imobiliária. Formaram-se plataformas ativistas como a Nojentrificação e o coletivo Es.Col.A, responsável pela organização de diversas atividades culturais e sociais junto de crianças e população na escola das Fontainhas - como desenvolvimento de hortas comunitárias - movimentando uma onda de contestação após ordens de despejo.


A substituição de comunidades residentes por outras com maior poder económico acontece de forma progressiva e consistente. O comercio tradicional passa a estar em risco e a população afasta-se para a periferia; tudo isto pesado, teme-se a perda de identidade portuense, já que, citando Luís Carvalho, “Uma cidade é feita por pessoas, não por casas”. A tendência para a descaracterização do património edificado é também uma preocupação, notando-se grande diligência para manter as fachadas dos edifícios, sem atentar à sua finalidade – como é exemplo o Palacete Maria Pia que serviu de hospital por mais de um seculo e que a autarquia pretende converter em Hotel.


Pedro Bismarck, investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo, chama a atenção para o papel do Estado na desenvoltura desgovernada do fenómeno social. “A cidade “gentrificada” e “turistificada” é produto de uma economia que recusa qualquer planificação ou intervenção do Estado, que aceita a lógica do mercado como sendo única e natural, assim como a conversão da habitação num ativo financeiro a ser rentabilizado e não um direito de todos”. Existem iniciativas que tentam colmatar os efeitos supracitados: a edificação de casas com renda acessível no Monte da Bela em Campanhã e o concurso da Porto Vivo, de arrendamento acessível no centro histórico. É necessário, mais que diabolizar o turismo e o interesse externo, que se assuma cada vez mais uma estratégia articulada de defesa do património arquitetónico, urbano, social e cultural, de modo a evitar perdas inestimadas para o legado local e para as populações locais que o exaltam.


Fontes:


Fotos: AddBuilding

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